Venezuela:desaparecida há 12 anos
Caracas, 02 mar (Lusa) - A luso-descendente que reencontrou a família há uma semana depois de ser dada como desaparecida nas enxurradas de 1999 em Vargas, Venezuelana, julgava que os pais tinham morrido, viveu nas ruas de Caracas e passou fome.
"Algumas vezes dormi nas ruas, passei fome, rezava muito para que não me acontecesse nada porque onde estava era um bairro horrível", disse à Lusa, após o reencontro com a família a quem também foi dito que ela desaparecera.
Carla Ures tem agora 21 anos e recentemente foi localizada pela mãe, Lucinda Nunes através do Facebook. Está feliz, mas não consegue habituar-se a que lhe chamem Angely Sofia Nunes, o nome do registo de nascimento. Ela não se recorda da tragédia nem da sua infância.
Na sua memória estão frescos apenas os acontecimentos dos últimos seis anos. Recorda-se que, depois da tragédia, viveu com uma senhora que é incapaz de identificar e a quem "não chamava mamã" e por isso hoje acredita ter sido abandonada.
Um dia foi levada para o colégio e ninguém a foi buscar, depois apareceu um polícia que a levou a um lar onde chegou "envergonhada, de olhar cabisbaixo", porque não sabia como se chamava. Foi lá que lhe disseram que se chamava Carla e que a sua família tinha morrido.
Por não gostar de regras fugiu com uma amiga. Hoje diz sentir-se livre e dorme até ao meio-dia.
Quando vivia nas ruas de Caracas, apaixonou-se por um rapaz e ficou grávida. Ele negou ser o pai e "teve que enfrentar toda a família que dizia que o bebé não era dele". Foram as freiras da instituição onde viveu nos últimos dois anos que a ajudaram.
Carla Ures diz, "por estar muito de moda", abriu uma página no Facebook sem suspeitar que seria por essa via que a mãe a viria a localizar.
Um dia foi contactada por Carlos Ferreira, um madeirense que lhe pediu amizade e que lhe explicou que tinha uma irmã em Valência (Venezuela) à procura de uma filha desaparecida nas enxurradas de Vargas.
A jovem aceitou falar por telefone com Lucinda Nunes, a "mãe desesperada que procurava a filha", mas ficou "em choque, nervosa", desconhecendo que a madeirense viajou horas depois para a Caracas, fazendo-se passar por uma irmã da congregação San Vicente de Paulo, que estava a organizar uma festa no lar.
"Quando a vi fiquei nervosa, baixou-me a tensão. Estávamos brincando, ela chegou e eu pensava que era uma convidada mas notei que olhava muito para mim. Quase terminando a festa, soube com quem tinha falado, fiquei muito nervosa, paralisada, nem pude dizer-lhe obrigada pelos presentes e tiveram que levar-me à enfermaria", recorda.
Carla, que chegou a pedir ajuda a um tribunal para saber da família, explica que, marcado o segundo encontro, "estava mais relaxada" mas ainda nervosa porque não queria "falsas ilusões".
Agora troca muitos sms com o irmão mais velho, o Victor, porque é "algo fechado" e "precisa de mais tempo". O irmão mais novo, Sérgio, é "envergonhado" mas é com ele que tem mais contacto.
Quanto ao pai diz que "está tudo bem", mas custa-lhe relacionar-me com ele: "Aceitar que é meu pai."
Sente-se muito identificada com a mãe, pela sua "forma de ser, como trata as pessoas" e por expressar-se livremente. É com ela que passa parte do dia no restaurante onde aprende a preparar o frango e conhece novas pessoas.
"Acho que o meu futuro está super bem assegurado e agora quero terminar os meus estudos", disse.
Sobre o país onde nasceram os pais, Carla Ures sabe apenas "que Portugal é um país muito bonito, que tem os melhores jogadores de futebol". Sabe quem é o Figo e desde há algum tempo tem uma foto do Cristiano Ronaldo na sua página do Facebook.
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